A metáfora sobre organismos vivos não é original.
Os estudos de comportamento organizacional já buscaram identificar mimetismo entre o funcionamento corporativo e a dinâmica orgânica da natureza ou do próprio corpo humano. A tese principal já amplamente explorada por autores reconhecidos situou-se em torno da homeostase, ou seja, da busca por um equilíbrio sistêmico por meio da interação de diferentes sistemas e fluxos. Também não deixou de ser relevante a busca por um olhar evolucionista das organizações.
O conceito parece ser particularmente interessante para um olhar contemporâneo sobre os fenômenos organizacionais em movimento nestes tempos atuais.
A Teoria Geral de Sistemas teve origem a partir dos estudos do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy, entre os anos 1950 e 1960, identificando relações entre as ciências sociais e as ciências naturais. O sistema refere-se a um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, coletivamente, constituem um todo íntegro com direcionamento e funções definidas. Em torno do sistema, situa-se o ambiente como um conjunto de elementos orbitais que podem produzir mudanças no estado do sistema.
Assim, sistemas abertos sofrem interações com o ambiente no qual estão inseridos, gerando realimentações que podem ser positivas ou negativas, em uma dinâmica de autorregulação regenerativa benéfica ou maléfica para o sistema e suas partes. Por outro lado, sistemas fechados são aqueles que não sofrem influência, nem influenciam, o ambiente ao redor. Certamente, as organizações são sistemas abertos, onde o contexto interno (departamentos, processos, pessoas) interage com o ambiente externo (mercado, política, sociedade, natureza).
Fenômenos como entropia (deterioração) versus sintonia (regeneração) ou como homeostase (manutenção do equilíbrio adaptado ao ambiente) versus heterostase (retorno ao equilíbrio após sofrimento de desgaste do sistema), nos ajudam nesta avaliação do desenvolvimento organizacional inserido nas dinâmicas inexoráveis do ambiente de mercado.
Para mim, um dos principais insights referentes à metáfora dos organismos vivos remete ao estudo dos grandes biomas naturais em contraposição às monoculturas agrícolas. Enquanto na última existe produtividade, assepsia e tecnologia, na primeira reina a imprevisibilidade, o orgânico e a simbiose. Não há vida natural nas plantações industriais, não há planejamento nos rebeldes biomas naturais. Ambos exercem funções diferentes na dinâmica antropocênica.
A comparação dos biomas e das monoculturas com os contextos organizacionais do século XX parece ser interessante como reflexão intelectual acerca dos desafios do século XXI. Em algum momento eufórico pós Segunda Revolução Industrial, a humanidade imaginou ser possível replicar princípios mecanicistas de planejamento no ambiente organizacional, tanto quanto nos ambientes fabris e agrícolas. De fato, a produtividade obtida nas instalações fabris foi muito importante, tornando a grande empresa o arquétipo vencedor na busca por custo variável médio mais eficiente. No campo, as batalhas foram mais inglórias, mas nem por isso as guerras travadas contra os imperativos da natureza foram perdidas, às custas de muito pesticida e, mais recentemente, de mutações genéticas. Já no campo organizacional, parece que os resultados foram mais ambíguos: houve certamente vitórias conquistadas pelo planejamento operacional em grande escala, mas talvez menos mecanicista do que o ideal imaginado pelos grandes pensadores e empresários do final do século XIX.
O contexto organizacional como sistema aberto, de fato se beneficia de certa dose de planejamento cartesiano - e mais recentemente dos quintilhões de dados escrutinados por algoritmos - mas mantêm-se como sistema aberto, permeável de certo modo às dinâmicas do ambiente externo ao seu redor. A analogia com biomas parece nos oferecer perspectivas interessantes para avaliação dos fenômenos.
Um bioma possui três características principais não observadas em conjunto nas monoculturas: diversidade, quantidade e conectividade. A diversidade das espécies, em quantidades imensas e interdependentes por múltiplas conexões, é a grande alavanca evolucionista orgânica dos biomas. Ora, este trio também deveria estar presente na dinâmica dos contextos corporativos das grandes organizações. Não obstante, o ímpeto gerencial em prol da produtividade, do controle e da previsibilidade pode ser justamente a força contrária ao complexo sistêmico vital à evolução orgânica da empresa.
No atual contexto de ciclos muito rápidos de transformação, o ambiente externo torna-se cada vez mais hostil ao sistema aberto organizacional. Adaptar-se contínua e rapidamente não é algo trivial para organizações que buscam seu equilíbrio interno a todo preço. A ausência de diversidade conectada em quantidade está se tornando a grande fragilidade das grandes empresas em comparação com as pujantes plataformas abertas estruturadas em ecossistemas compostos por micro agentes econômicos.
A capacidade do ser organizacional em contrapor ou se ajustar em algum formato simbiótico à pujança inovadora eficiente dos ecossistemas, já é uma questão de sobrevivência.
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute